quarta-feira, 13 de novembro de 2019

MEMÓRIAS DA INDEPENDÊNCIA , por JOSÉ CORDEIRO CHIMO


Foto: Cordeiro Chimo
Hoje (11 de Novembro de 2019) dia em que se assinala o 44º Aniversário da Independência Nacional.
Que recordações tens do dia 11/11/1975? Eu tenho alguns antecedentes na minha família, que vale a pena recordar aqui.
Nesta altura tinha treze anos, e infelizmente estava em luto porquanto o meu pai havia falecido no mês anterior ou seja a 06 de Setembro de 1975, que em vida se chamou por Eurico Chimo, professor na sua terra natal em Chissende município de Katabola e depois funcionário do CFB no Munhango duas 
vezes, Kwanza, Benguela e Kuito-Bié entre outras missões na condição de destacado.
A sua primeira detenção por motivos políticos acorreu em 1952 em Katabola, ao manifestar sentimento de revolta contra o colonialismo português em Angola, ao se recusar junto ao seu cunhado Amós Kangombe ir a Silva Porto capital do distrito do Bié participar numa manifestação de apoio a vinda em Angola do Ministro do Ultramar Português o General Craveiro Lopes.
O Administrador como conhecia a residência do (meu avô) Marcelino Bambi Cachimbombo notificou a família a apresentar-se na administração para serem ouvidos juntamente o seu genro (meu pai) Eurico Chimo professor no Centro de Sachondi.
Na administração foram espancados (obalama) e levados à cadeia e por Amós ser menor de idade o meu avó foi acusado de ter influenciado o comportamento do filho.
O meu pai face a perseguição constante, teve de abandonar o ensino que tinha iniciado em 1953 e ingressou no Caminho de Ferro de Benguela-CFB como telefonista no Munhango, e mais tarde no Kwanza que fazia parte da jurisdição de Kamacupa onde é preso juntamente o Reverendo Pastor Rodrigues Sepolu, colocado no Centro escolar de Chimboco a prestar envangelização.
Foram acusados de acoitar agentes da célula de Patrice Lumumba vindos do Katanga Shaba no Ex-Congo Belga e de importar o terrorismo para Angola.
Eurico Chimo por ser telefonista pesava ainda sobre si a acusação de enviar e receber telegramas dos terroristas através do Dilolo-Gare no Ex-Congo Belga, Ex-Zaire e actual República Democrática do Congo.
Ficaram presos durante três anos no Grémio de Milho de Kamacupa junto a Estação do CFB, e obrigados a trabalhos na pedreira e a capinar a Vila com as mãos. Depois de solto Eurico Chimo foi transferido para o Huambo em residência fixa tendo a obrigação de se apresentar periodicamente na sede da DGS-PIDE.
Desde 1952, que passou a ser visível a perseguição politica em Katabola, o meu avó Marcelino Bambi Cachimbombo de forma reiterada era considerado terroristas, não obstante ter sido o próprio regime português que o colocou na Missão Evangélica de Chissamba, e mais tarde em Sachondi como primeiro professor e evangelizador dos povos entre 1925 a 1949.
A maior parte dos enfermeiros e professores da década de vinte em Katabola foram os primeiros a aderirem a revolução contra a colonização portuguesa e os filhos lhes seguiram o exemplo.
Em 1961 depois dos acontecimentos de quatro de Fevereiro em Luanda e o 15 de Março no norte, aumentaram a perseguições em Katabola, onde os principais alvos eram os Professores, Enfermeiros e Pastores, de tal sorte que muitos eram obrigados a se refugiarem nas matas.
Nesta altura, o fervor revolucionário já tinha atingido o planalto central com toda a força, e muitos meus familiares eram considerados terroristas: Amós Bambi (tio), chamado de ( Balu-Balu); Eurico Chimo (pai), Fernando Bandeira Chingunji (tio), Gedeão Luhui Chissingui (tio) e Baltazar Chinguto (tio), acusados de serem recrutadores e que colectavam dinheiro para posteriormente darem aos  terroristas (irmãos Cambutas).
No dia 20 junho 1967, Eurico Chimo “meu pai” (Condutor do CFB), Fernando Bandeira chingunji (Condutor do CFB) e Gedeão Luhui Chissingui (Condutor do CFB) , que eram obrigados a apresentar-se periodicamente à da PIDE-DGS no Huambo, foram convocados e copiosamente espancados.
Desta sessão de tortura, o saudoso tio Gedeão Luhi Chissingui (pai do Samuel Chissingui Jornalista da RNA) não resistiu.
Depois do sucedido, o bairro do CFB os “TGs” ao lado do Hospital ou mais concretamente depois da rua dos maquinistas onde residíamos, considerado o berço dos terroristas infiltrados no CFB, neste dia e nos que se seguiram, ficou “estado de sítio” e era persistentemente patrulhado por forças militares e militarizadas do regime.
Acredito que todos eles estavam envolvidos sim nestas actividades, pois em nossa casa sazonalmente apareceriam pessoas estranhas que entravam ao escurecer (ficavam encerrados largas horas na sala a conversar e a escutar emissoras estrangeiras num Rádio Philips de baterias.
Quando adquiriu outro Rádio mais potente e mais sofisticado à válvulas, ensinou-me a manejar e sempre que tivessem dificuldades em sintonizar eu conseguia rapidamente no quadrante encontrar as frequências que pretendiam; entre Angola Combatente ( ainda tenho no meu subconsciente alguma uma das canções que poderiam ser indicativos ou separadores) , voz da América, BBC de Londres etc.
Estes sujeitos desapareciam antes do amanhecer, geralmente quando o meu pai fosse de serviço como Condutor dos emblemáticos comboios de mercadorias “Recoveiro” ou “Camacovi”.
Nos finais de 1969, o colono optou pelo menos em Katabola, pela construção das chamadas “Concentrações”: cujo o objectivo era o de agrupar assentamentos populacionais dispersos em Aldeias Compactas e de fácil controlo político e administrativo.
Bem me recordo que em 1970 durante as “Férias Grandes” que era habitual visitarmos os avós na Chissamba, naquela vez o avô Marcelino Bambi não nos recebeu com a sua natural afabilidade, porque tinha ido responder na Administração por se ter atraso em mudar de kacicoñle para a aldeia do Bambu.
Veio de lá com as mãos inchadas por ter apanhado palmatoadas (onbalamas) e tiveram de ser tratadas com água morna e sal.
Na recepção faltou a oração, os pedaços de cana-madeira descascada, o bombó azedo com mel, muito menos as cancões evangélicas e as Histórias dos nossos antepassados.
Em 1971 fomos arrasados com notícia da morte do avó Marcelino Bambi Cachimbombo. Hoje certamente quando faço uma retrospectiva dos acontecimentos de então, tenho a plena certeza que terá morrido de desgosto, porquanto a sua retirada forçada do seu espaço privado o kacicoñle, o abalou profundamente e desde então nunca mais teve boa saúde.
NB: Em Angola quando se fala dos grupos de protesto e enfrentamento ao regime colonial português, há omissão do chamado “Grupo dos ferroviários”.
As prisões políticas em Katabola iniciaram nos anos 40, e a actual comuna do Sande foi uma Colónia Penal que albergava prisioneiros de nacionalidade portuguesa, cabo-verdiana, são-tomense e timorense, provavelmente por isso, aí ter iniciado muito cedo a repressão contra os nativos.

* Por: José Cordeiro Chimo
          ( Jornalista, Investigador, Formador, Historiador e Gestor)

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